Uma das grandes alegrias de conhecer a Russia foi ler novamente alguns de meus autores favoritos e conhecer outros surpreendentes da literatura russa contemporânea. São Petersburgo aparece e reaparece o tempo todo nos livros Noites Brancas e o Duplo de Dostoiévski, então achei interessante apresentar um dia em São Petersburgo por Dostoiévski caminhando na principal avenida desta cidade, Av. Nevskiy.
Iniciamos nosso passeio no Palácio Beloselskyi-Belozerskiy, onde está o museu de cera de São Petesburgo. É um belo prédio rosa de 1840, onde dizem ter sido planejado o assassinato do místico Rasputin.
Rasputin já foi conhecido como monge, mago, místico. O que se sabe é que nasceu em um povoado na Sibéria e, por seus poderes hipnóticos, teria curado o filho do Czar Nicolau II. Com tal façanha desfrutou de grande poder político e econômico, sendo responsável por derrubar ministros e conselheiros do Czar. Tanto poder levou à conspiração de um grupo de aristocratas, que acabaram por assassiná-lo e jogar seu corpo no Rio Neva.
Em frente ao palácio Beloselskyi-Belozerskiy está uma das pontes mais bonitas da Av. Nievski, a ponte Anichkov, no rio Fontanka. São quadro cavalos selvagens e seus domadores, em um verdadeiro embate entre a natureza e a consciência humana. Se olhadas no sentido horário, reforça a força da natureza, se olhadas em sentido anti-horário, os cavalos parecem ter sido domados. Obra do escultor Pyotr Klodt.
Por fim o senhor Golyádkin diminuiu um pouco os passos para tomar fôlego, deu uma olhadela ao redor e percebeu que já havia percorrido, sem se dar conta, todo o caminho que passava pela Fontanka, atravessado a ponte Ánitchkov, cortado uma parte da Av. Niévski e agora se encontrava na curva para a Litiêinaia. Nesse instante sua situação se parecia com a situação de um homem que se encontrava à beira de um terrível precipício, quando a terra sob seus pés está rachando, já se balançou, já se moveu, sacode-se pela última vez, cai, arrasta-o para o sorvedouro, e, ao mesmo tempo, o infeliz não tem força nem firmeza de espírito para saltar para trás e desviar seu olhar do abismo aberto; o precipício o arrasta, e por fim ele pula para dentro dele, acelerando o instante da sua própria morte. O Duplo, Dostoiévski
Uma bonita praça se destaca entre os prédios da Av. Nevskiy, é o jardim Ostrovskogo, conhecido como praça Catarina, pela enorme estátua com as figuras de ministros e conselheiros aos seus pés. Sem querer fomentar a intriga, 😉 mas a fofoca de época diz que entre eles estão três conhecidos amantes da Czarina Catarina, a grande. Atrás está a biblioteca nacional da Russia que abriga mais de 33 milhões de livros.
Depois de caminhar quase a metade desta avenida cheia de estórias, do outro lado da rua, há um lugar especial para matar a fome e continuar se espantando com tanta beleza. É a Yeliseev’s (também encontramos com o nome Eliseevy e Yeliseyevsky0, uma delicatesse super chique, que fica em um prédio art nouveau.
Tem vitrais maravilhosos e foi construído em 1901. Pena que possui poucas mesas, então se não conseguir sentar, vale provar um dos doces franceses ou até como no livro de Tostói, Anna Karenina, comprar umas ostras frescas.
Caminhando mais um pouco e ainda sobre compras, está uma interessante galeria, (como chamávamos os shoppings antigos aqui no Brasil). É a Gostinyy Dvor, com seus lindos arcos e vitrines com moldura de madeira. Existem lojas de todos os tipos, mas normalmente com produtos mais refinados, como caviar, souvenires e até algumas lojas de grife.
A parte superior parece destinada a escritório, mas vale a pena dar uma espiada nas fotos antigas de São Petesburgo, das suas figuras ilustres e esta pintura interessante com o mapa da cidade na época da construção do prédio, no Séc. 18. A extensão do prédio é de quase 1km e foi um dos primeiros centros comerciais cobertos do mundo.
Quase em frente ao Gostinyy Dvor está a Igreja Armênia, projetada pelo arquiteto de Catarina e ficou abandonada durante o período soviético, e, após ser reformada na década de 90, voltou a ser bastante movimentada.
Outra Igreja da Av. Nevskiy é a de Santa Catarina. De 1782, é a mais antiga igreja Católica da Rússia, olhando assim parece pequena, mas recebe até 2.500 fiéis.
Fechando com chave de ouro a lista de igrejas da Av. Nevskiy, está a imponente Catedral de Nossa Senhora de Kasan, inspirada na Basílica de São Pedro em Roma, que impressiona com a sua passagem de arcos. Foi construída em 1801 para receber o ícone milagroso da Nossa Senhora, muito importante para a Igreja Ortodoxa Russa.
Catedral de Nossa Senhora de Kasan, Av. Nevskiy Prospekt, São Petesburgo
Não pudemos entrar pois estava em reforma (agosto/15), mas só a vista exterior, com as fontes e os jardins já vale a visita.
Há algo inexplicavelmente comovedor em nossa natureza petersburguense quando, com a aproximação da primavera, ela mostra de repente todo o seu vigor, todas as forças que lhe concedeu o Céu, e se cobre de veludo, se embeleza e se adorna com flores… Noites Brancas, Dostoiévskiy.
Este edifício mais escuro da imagem acima é o Singer, de estilo art noveau, antes abrigava a sede da famosa empresa de máquinas de costuras. Quem nunca teve uma singer em casa?
Hoje ela abriga um gostoso café com vista para a rua, uma livraria com vários títulos em inglês e até espanhol e uma loja pequena de souvenires.
Quase no final da avenida, está a placa do cerco. Foi difícil de encontrar pois é uma pequena placa que avisa aos moradores “Cidadãos: Durante o bombardeio, este lado da rua é o mais perigoso”.
Este pedaço dramático da história, nos atenta para a participação heroica dos moradores de São Petesburgo, chamada de Leningrado na época soviética, quando a cidade foi sitiada em 1941. Os alemães conseguiram invadir a cidade e mataram quase 1 milhão de pessoas (há fontes que indicam mais de 2 milhões) com os bombardeios, a fome e as doenças por quase 900 dias, tempo em que a cidade ficou cercada.
Hoje, com os cafés lotados, a atmosfera festiva, os turistas encantados com as belezas de São Petesburgo quase conseguimos esquecer este período sombrio da história.
Uma vez na rua, sentiu-se como no paraíso, de modo que até teve vontade de dar ao menos uma volta, uma caminhada pela Névskiy. O Duplo, Dostoiévski
Além das atrações da avenida é interessante olhar para as ruas perpendiculares a esta, por vezes vemos alamedas, em outros momentos canais lotados de barcos oferecendo passeios aos turistas.
E quando você pensa que a Av. Nevskiy não tem mais nada a te oferecer, uma surpresa: após o último canal, sobre o rio Monika, há uma entrada à direita, em que se vê um lindo arco. Ao fundo, o imenso Palácio de Inverno, construído em 1754 pela Czarina Isabel. Será a melhor vista em 360º de todo Hermitage.
Meu Deus! Um momento inteiro de júbilo! Não será isto o bastante para uma vida inteira?…Noites Brancas, Dostoiévski
Dostoiévski nasceu em Moscou, mas viveu grande parte da atribulada sua vida em São Petersburgo, onde escreveu a maior parte de sua obra. O Duplo e Noites Brancas fazem parte de um combo, com o 3º livro “Niétotchka Niezvânova” da Editora 34, todos traduzidos direto do russo.
Por que as noites inteiras de insônia passam como um instante, numa alegria e numa felicidade inesgotáveis, e quando a aurora brilha com um raio rosado nas janelas e o amanhecer ilumina o quarto sombrio com sua luz incerta e fantástica, como a que temos em São Petersburgo, o nosso sonhador, fatigado e atormentado, lança-se ao leito e esmorece com uma dor tão doce e atordoante no coração, por causa do entusiasmo de seu espírito doentiamente abalado? Noites Brancas
Nos preparativos da viagem, percebo que a ficção me atrai ainda mais quando aproxima a cidade das minhas fantasias. Ler Dostoiévski foi uma ótima forma de conhecer melhor São Petesburgo, não acha?
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