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Leituras de viagem para Cuba

A vida que segue em Centro Havana, Cuba

Leituras de viagem para Cuba, todos os livros de ficção e história que li para tentar entender essa ilhota amada e odiada, mas nunca esquecida.

As minhas leituras de viagem para Cuba foram de encontros e desafios. Voltei a Ler Animal Tropical de Pedro Juan Gutiérrez, que estava esquecido na estante desde 2003, quando me deliciei com sua leitura crua e, muitas vezes, perversa.

Me surpreendi com a leveza e qualidade de Leonardo Padura e seus romances policiais. Tive dificuldade com o cânone Paradiso de José Lezama Lima e me assustei com os tons de fofoca familiar e confidencialidade das memórias de Juanita Castro, irmã de Fidel e Raul Castro.

Praça 13 de março, Havana, Cuba

Praça 13 de março, Havana, Cuba

As duas escritoras me trouxeram sentimentos diversos. De Yoani Sánchez esperava mais, de Aviva Chomsky não sei o que esperava, mas a leitura de História da Revolução Cubana foi muito prazerosa.

Caminhando pelo corredor central do Museu de Belas Artes, Havana, Cuba

Trago aqui um resumo e os meus trechos favoritos dessas obras, ótimos caminhos para se conhecer mais o país. Uma ilha tão pequena e tão determinante na história mundial.

Pedro Juan Gutiérrez

Animal Tropical (2000)

Sem dúvidas meu escritor cubano favorito. Muito erótico, muito duro, um pouco perverso, um pouco louco. Como viver em um país tão singular sem revelar um modo peculiar de viver? Os livros de Pedro Juan ficam sempre no limiar entre realidade e ficção. O personagem principal se chama Pedro, é escritor, mora em Havana, fala em primeira pessoa… é Pedro Juan? Interessa? Pode ser qualquer um tentando viver na corda bamba que é a vida, se agarrando a qualquer anseio, sexual, moral/amoral, filosófico, real…

Juan del Río, um diplomata amigo meu, me convidou a noite passada para um banquete afrodisíaco. Tentei corrigi-lo:
– Em Cuba será um banquete digno de Lezama.
– O que é isso?
– Pantagruélico. Tropical em excesso.
– Não. Ao contrário. Será minimalista, mas explosivo.
E assim foi. Ele havia me confessado que ele e seu parceiro, um negro de dois metros de altura, carateca de judoca de não me lembro que instituição, se masturbam lendo certas passagens de Trilogia Suja de Havana, edição brasileira.
– Por que em português?
– É muito mais sensual, não tem ossos, como dizia Pessoa.
(…)
E pusemos mãos à obra. Não sei se a engravidarei e se teremos dois ou três filhos. Não sei se vão instalar telefone. Acho que estou incomunicável porque não vejo cabos, nem postes nos arredores. O bom disso é que a sueca perdeu meu rastro. No morro, para os lados de Campo Florido, há duas rinhas de galos, clandestinas, mas sem problemas. E vendem rum barato e charutos de um peso. O que mais eu preciso? Não quero computadores, nem e-mail, nem Internet, nem quero que me encham mais. Que me deixem em paz e não me amolem.

O romance Animal Tropical faz parte do chamado Ciclo do Centro de Havana, escritos logo após o premiado Trilogia Suja de Havana, (1998), O Rei de Havana (1999), O Insaciável homem-aranha (2002) e Carne de cachorro (2003).

Nosso GG em Havana (2008)

Como já tinha lido Trilogia Suja de Havana, escolhi outros dois livros do mesmo autor para ler. Ambos mais recentes, mas bem diferentes. Nosso GG em Havana passa na Cuba dos anos 50, antes da chegada dos Castro. Uma trama policial que envolve o escritor britânico Graham Greene, a CIA, caçadores de nazistas e cubanos tentando ganhar a vida (às vezes às custas dos visitantes estrangeiros). Aqui mais uma vez ficção nos confunde com a realidade e mostra que a ambiguidade talvez seja a maior força da literatura.

– O que pretende fazer agora?
– Sempre quis ser marinheiro, escrever livros de viagens, romances de aventuras, talvez aqui no porto…
– Mas você não tem documentos, nem dinheiro.
– Acho que perdi. Paguei a fiança com todo o meu dinheiro.
Tripp tirou um envelope do bolso interno do paletó e lhe deu:
– Devolvo o seu passaporte. Com o FBI não tem dívidas. Com a polícia cubana, é coisa sua.
Tripp caminhou até a porta, abriu-a e saiu sem olhar para trás, seguido por GG. Uma vez na rua, disse:
-O mundo está cheio de imbecis.
-Todos somos um pouco imbecis. Você nunca tenta compreender os outros?
-Compreender a mim mesmo já é difícil, Mr. Greene. Quase sempre, impossível. Quer que o leve a algum lugar? disponho de tempo e de um Cadillac.
-Não, obrigado. Obrigado pelo presentinho. E pelo café-da-manhã.
-Ok. Até a próxima.
-Adeus, Mr. Tripp.
GG saiu caminhando pela Trocadero em direção à rua Prado. As prostitutas e os cafetões dormiam. Muitos bares ainda estavam fechados. Por um instante pensou que estava num país de loucos onde ia parar o restante dos loucos do mundo. Porém, à primeira vista, Cuba parecia um país normal.

Fabián e o Caos (2016)

Um livro bem diferente dos outros dois, mais triste e introspectivo. Um romance que toca em um ponto muito delicado da história, especialmente em países autoritários: como os inadequados vivem? Ou melhor, como podem os que não se enquadram viver?

Em Fabián e o Caos, tive a certeza que Pedro Juan Gutiérrez é um ótimo escritor. Conseguiu transmitir a mesma potência em um livro sóbrio, sem os impulsos dos livros anteriores, mas com o mesmo poder de nos fazer refletir, rir e se chocar.

Manolo tinha se habituado a passar duas ou três horas com ele aos domingos logo depois do almoço. Não havia mais sexo entre os dois. Não passavam de amigos. Tomavam chá sem biscoitos porque já era impossível consequi-los. E fuxicavam sobre os últimos acontecimentos do Teatro de Ópera e do mundinho artístico: fulano pediu demissão porque quer ir a Miami mas vai ser difícil porque a mulher dele é médica e não vão permitir sua saída; mudaram o nome do Teatro, agora se chama Empresa Provincial Provisionada de Ópera e Zarzuela, com a sigla: Empropoz. Que horror, parece russo, que nome mais feito! (…)
Era a última diversão que restava a Fabián. A última conexão com o mundo. Falar, tagarelar, fofocar, saber, enquanto tomava um chá segurando afetadamente a xícara, com o mindinho apontando para cima. Manolo via seus gestos afetados e o chamava de “A Condessa”.

Se for para escolher apenas duas obras do escritor, indicaria um dos primeiros: Trilha Suja de Havana, Animal Tropical ou O Rei de Havana e esse mais recente, todos ótimas opções de leituras para Cuba.

Leonardo Padura

A neblina do passado 

Uma ficção policial deliciosa! Linguagem fluida e inteligente, enredo que te gruda no livro. Para ler de uma vez, embora tenha mais de 400 páginas.

O personagem Mario Conde, presença inseparável dos livros de Padura, percorre as ruas de Havana para desvendar um mistério. O mistério que pode ser um crime, ou pode ser um episódio corriqueiro de uma vida. Uma cantora de bolero que decide interromper precocemente uma carreira de sucesso, um vendedor de livros que encontra o verdadeiro paraíso em uma biblioteca pessoal intocada.

Entre o passado e presente, Mario Conde, embora não mais policial, vasculha em uma vasta neblina o que foi Havana nos anos 60 e o que é a Havana de hoje.

Passamos por uma atmosfera de luxo e desespero ao som de um bolero, até a Havana em que falta tudo, menos o que nos torna gente: a amizade, a possibilidade de se conectar com o outro.

Uma dica: a série Quatro estações de Havanada Netflix, com roteiro escrito por Padura,com base no livro Ouro de Havana.

Yoani Sánchez

De Cuba com carinho

Conheci Yoani Sánchez pela imprensa brasileira, a blogueira cubana eleita pela Time uma das mulheres mais influentes do mundo. Sua resistência ao governo, o uso de diversas estratégias para publicar seu blog mesmo com a limitação de acesso e a censura instaladas em Cuba, já me trouxe simpatia.

Com a publicação do livro que compila os posts mais recentes pela editora Contexto, não poderia deixar de fora das minhas leituras de viagem para Cuba.

O livro, contudo, não cumpriu essas expectativas em sua maior parte. Há relatos que funcionam como crônica e esses são bem interessantes, mas há outros que destoam um pouco da literatura, funcionando mais como um diário pessoal, muitas vezes carregado de pequenas descrições. Vale a pena pela perspectiva de uma moradora de Havana, que não concorda com as escolhas e opressão governamentais e, por isso, passa pelas mais interessantes, para não dizer absurdas, situações diárias.

Roque termina de falar – quase aos gritos- e eu aproveito para perguntar se ele pode me dar tudo isso por escrito. O fato de ser uma blogueira que exibe o nome e o rosto me fez acreditar que todos estão dispostos a mostrar a sua identidade junto como que dizem. O homem perde o ritmo do roteiro -não esperava essas minhas manias de bibliotecária que guarda papéis. Ele deixa de ler o que estava escrito e grita mais forte que “eles não são obrigados a me dar nada”.

Antes de me expulsarem do lugar com um “retire-se, cidadã”, consegui dizer que não podem assinar o que me disseram porque não têm coragem para isso. A palavra “covardes” é lançada quase com uma gargalhada. Desço a escada e ouço o ruído das cadeiras que são ajeitadas no seu lugar. A quarta-feira terminou cedo.

Aviva Chomsky

História da revolução cubana

Avia Chomsky é uma historiadora norte-americana dedicada a estudos latino americanos e caribenhos. O seu livro foi uma excelente companhia durante a viagem e esclareceu pontos e escolhas do governo cubano (equivocadas e outras corretas) que a imprensa não costuma explicar. Uma longa pesquisa em documentos americanos e cubanos, jornais, textos, além de várias viagens ao país, servem para dar um panorama de como se desenvolveu a ilha mais importante do Caribe em termos políticos e internacionais, desde a revolução de 1959.

Duas visões conflitantes de Cuba parecem alternar-se no imaginário norte-americano. Uma é a visão caribenha, de Cuba como destino turístico, quente, pitoresca, cercada por praias, com muita música, bebida e sexo. As pessoas nessa Cuba são felizes e despreocupadas. A outra é a visão soviética, de Cuba como um Estado policial reprimido, sombrio e cinza, onde os cidadãos vivem em medo constante.

As duas visões são fruto de uma imaginação estrangeira, Cubas inventadas pelas visões de mundo de estrangeiros. A verdadeira Cuba, como qualquer país, é diversa e complexa. Sua história ao logo dos últimos cinquenta anos de revolução também é diversa e complexa, e tudo menos estática.

Percebo que no Brasil não é diferente, essas duas Cubas também coexistem. A Cuba do paraíso de saúde e educação, e a Cuba repressora de onde todos querem fugir. Essas duas Cubas conheci e muitas outras. Aviva trata em detalhes do desenvolvimento do país e do contexto exterior e sua influência. É uma das essenciais Leituras de viagem para Cuba.

Juanita Castro/María Antonieta Collins

Fidel e Raúl meus irmãos, a história secreta.

Um livro de memórias que parece ter sido escrito por uma senhorinha, espera, foi escrito por uma senhorinha, rsrs. A leitura não é tão agradável, mas para quem se interessa por fofoca familiar é um prato cheio. Olho com certa desconfiança esse tipo de memória, os sentimentos familiares são tão intensos e difíceis que às vezes embaçam a visão.

O livro vale a pena por dar uma pincelada na personalidade de todos os membros da família, o que já valeria a leitura.

José Lezama Lima

Paradiso

Esse ficou para depois, talvez para uma outra vida. Paradiso é um livro difícil, barroco, para mim intransponível. Voltou então para a estante onde aguarda, pacientemente, um tempo de ócio. Dizem que é o grande expoente da literatura cubana, mas como chamou atenção Pedro Juan Gutiérrez, como pode ser erótico se ninguém entende?

Quer outras dicas de livros? Temos todas as leituras de viagem reunidas aqui.

Quer conhecer ou ler mais sobre Cuba? Temos mais posts aqui.

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