Começamos o dia cedo, sabedores que não veríamos sequer metade do que a imensa Chapada Diamantina tinha a nos oferecer. Apenas um dia inteiro e uma manhã e, no meu caso, a certeza de que as pernas não aguentariam o esforço requerido. São extensas caminhadas por grutas, morros, vales, mergulho em cavernas, tudo conspirando para o pavor de uma sedentária convicta.
O primeiro teste de resistência foi feito na Gruta da Torrinha. A 26km de Lençóis foi escolhida pelas proezas de ser uma das maiores da Chapada e a mais completa na variedade de formações (estalactites, etc…). Saindo de Lençóis em direção a Iraquara, entramos em uma estradinha de terra (porém bem transitável), no total 66km (uns 8km de terra). Há uma grande placa logo na entrada, onde se percorre mais um trecho de terra até chegar nesta simpática recepção.
Logo em frente uma “casa” que parece de taipa bem ao estilo nordestino (vimos várias parecidas no decorrer da estrada, porém verdadeiras, esta estava mais para “decoração”).
O paredão na chegada impressiona. São R$30,00 por pessoa e eles cobram um valor à parte para conhecera a chamada sala dos cristais, visitada apenas por pequenos grupos. Pagamos R$5,00 a mais para adentrar nesta sala. Total R$70,00 o casal.
Logo no início um imenso salão de areia fofa e a escuridão ao adentrar a rocha informam que por ali já passou um rio, possivelmente um imenso rio. O teto da gruta mostra o efeito da água nas paredes, formando lindos desenhos pela mistura dos materiais da terra e da água. A mistura química é explicada pelo guia, mas fiquei tão impressionada que nem ouvi com exatidão.
Para conseguir adentrar nas partes mais interessantes (segundo e terceiro salões) é preciso descer por um fino buraco na rocha, entrada descoberta por uma pesquisadora francesa e que leva aos pontos mais importantes da gruta. Logo em seguida já começamos a ver lindas formações de estalactites e estalagmites.
Adentramos na sala das “agulhas”, onde está uma imensa quantidade de agulhas de gipsita que brotaram da argila. É quase inacreditável que estas finas estruturas pontiagudas tenham saído da terra! Segundo o guia há um local na caverna que tais agulhas ainda estão em formação, porém está restrita a pesquisadoras. Neste local restrito, também está a maior agulha de gipsita do mundo, com 65cm.
Para chegar ao terceiro salão, tivemos que praticamente nos arrastar em determinados momentos, nos apoiar uns nos outros para passar por locais escorregadios e até conviver com alguns morcegos (mas estes ficaram com muito medo de nós e mantiveram distância). Por fim, é necessário passar totalmente agachado por uma faixa estreita entre pedras, para chegar no salão branco.
Seguimos pelas imensas formações de estalactites e estalagmites e vimos as incríveis Flores de Aragonita. Muito brancas, muito lindas e em muita quantidade. As mais impressionantes estão na “sala dos cristais” (a que pagamos R$5,00 a mais para conhecer e que é restrita a grupos muito pequenos), onde na ponta das flores estão pedras perfeitas de cristal de quartzo.
Seguindo pela sala dos cristais chegamos ao salão branco, imenso (100m x 200m) onde está uma cortina de mais de 50 metros de estalactites.
La também vimos a formação mais rara da gruta, uma helictite com bolha de calcita e flor de aragonita, que seria a única formação deste tipo documentada do mundo. Porém, não se espantem, ao vivo é menor do que a palma da mão.
O passeio dura cerca de 2horas e, segundo o guia, são mais de 7km de caminhada dentro da gruta (ida e volta). Os capacetes, ao contrário do que imaginava, não são para que as coisas não caiam sobre a cabeça, mas para que a cabeça não bata na pedra, nos momentos em que temos que passar agachados.
Imprescindível: Água (no mínimo 500ml para cada um) e nada de bagagem. Eles fornecem o capacete e a lanterna. Roupas leves e um tênis confortável, lembrando que há lama e areia no caminho – chegamos imundos!
Mais alguns dados sobre a Torrinha. Segundo o site da folha, no último levantamento da Sociedade Brasileira de Espeleologia, de 1994, a Torrinha aparece como a 13º maior do país, com 8.210 metros. No entanto, atualmente já há 13.300 metros mapeados, o que a colocaria em sétimo lugar.
Fomos refrescar nossa cabeça do cansaço da caminhada e tirar um pouco da poeira dos cabelos na Gruta da Pratinha. Chegamos facilmente de carro, após passar por uma graciosa cidade, onde uma placa indicava para onde devíamos seguir. De qualquer forma, antes mesmo da placa, perguntei a um menino de cerca de 05 anos, onde ficava a Pratinha e ele me explicou com detalhes e delicadeza. Ou seja, não tem como se perder!
Ao chegarmos encontramos uma fazenda com portaria, pulseirinhas para os visitantes (entrada R$15,00 por pessoa), estacionamento e uma enorme placa: Propriedade Particular. Tudo me pareceu muito bem cuidado e protegido, com oferta de diversos serviços como fotografia sub-aquática e local para almoço a quilo. Antes de comprar o esperado passeio – mergulho na caverna, fomos dar uma olhada.
A cor da água é verdadeiramente impressionante. Não sei se foi pelo fato de ter ficado mais de 2 horas em contato apenas com pedras e terra, mas aquele verde explodia nos olhos. Esta é a primeira vista da Pratinha – da ponta da tirolesa.
E o paredão que ladeia a caverna
Nem pensamos duas vezes, pagamos os R$20,00 do mergulho! Ao chegar, logo somos avisados: o mergulho é de flutuação, não se pode pisar no chão. São fornecidos o colete, os pés de pato, respirador e uma lanterna à prova d’água. Vamos flutuando atrás do guia, que segue com este bote.
Na caverna praticamente não há vida, poucos peixes no início e posteriormente apenas areia e pedra. O que realmente impressiona é a profundidade e clareza da água, bem como a sensação de estar em um lugar completamente ermo. Uma turista do Rio de Janeiro desistiu pela sensação de claustrofobia. Eu simplesmente adorei!
Quando chegamos ao final o instrutor pede que desliguemos as lanternas e vimos que não há iluminação alguma no interior da caverna, não enxergamos sequer um palmo à frente! No retorno, ele nos deixa e pede que desliguemos as lanternas e aos poucos vamos adentrando no chamado aquário, a parte onde existe vegetação e entram os raios de sol. É como sair do absolutamente inóspito e ser recebido pela potente força da natureza. Emocionante!
Não tinha câmera aquática, mas as fotos de Fabrício Marvel dão uma ideia do que existe lá. Um verdadeiro aquário.
Seguimos rodeando a casa principal da fazenda para chegar no local onde parecia um bar/restaurante.
Muito agradável, com mesas embaixo das árvores e patos passeando pelo local, porém sem qualquer serviço (havia apenas uma senhora atendendo no balcão) e nada para se comer (além de certa sujeira – cocô de pato – deixada pelo chão). As crianças não pareciam se importar com nada disso.
E acho que também não nos importaríamos, já que a cerveja estava bem gelada, mas com fome não dá para se animar, nem com este verde esmeralda.
Almoçamos no comida a quilo (bom e de preço bem razoável) da fazenda e seguimos a pé para a Gruta Azul. Saindo do estacionamento da Gruta da Pratinha, à direita, se desce esta ladeira, nada demais, e logo se observa a pequena gruta.
Chegamos bem no horário da incidência dos raios solares da água. E o azul é bem profundo, excelente por ser tão perto da pratinha, mas não muito impressionante.
Retornando a Lençóis passamos pelo Morro do Pai Inácio, onde o marido repetia: Se não subir não veio à Chapada. Estava bem cansada, mas com este mantra, tive que subir.
Não se cobra valor fixo para entrar (segundo a ONG que cuida da portaria, o Ministério Público proibiu a cobrança, julgada extorsiva). Ao assinar o livro de controle, deixamos uma singela contribuição.
A subida é cansativa e bem íngreme. Existem lugares onde precisa-se de um verdadeiro contorcionismo para conseguir subir. Quando pensava em desistir, sentia vergonha da guia de mais de 50anos que lépidamente alcançava as pedras mais altas (e ela era menor do que eu!).
Em um momento ela parou e fez sinal de silêncio, eram dois bichos, que a guia chamou de mocó, parece uma mistura de coelho com rato, enfim, muito bonitinhos.
Quando chegamos ao topo eu estava nervosa e um turbilhão de sentimentos me alcançaram, orgulho por ter conseguido, medo, ansiedade beirando um quase desespero. Meus olhos estavam marejando quando olhei para isso.
A descida foi bem mais tranquila e sem sobressaltos. Ainda tínhamos tempo para o Poço do Diabo, porém estava muito cansada e ainda tínhamos que encontrar um Bradesco aberto para sacar dinheiro. Detalhe que descobrimos depois: Em Lençóis só há um posto de atendimento expresso e que fecha aos fins de semana. Mas para quem tiver disposição, o Poço do Diabo fica entre Lençóis e o Morro do Pai Inácio, logo na beira da BR e a entrada é por uma lanchonete a 22km de Lençóis.
Aproveitamos para passear por Lençóis, observar seu lindo estilo colonial preservado.
E como ainda haviam raios de sol fomos para a piscina do Hotel. Ao lado há espaço para massagem, muito bonito. Fiquei lendo enquanto o marido aproveitava uma vigorosa massagem.
À noite retornamos para o centro de Lençóis. Enquanto caminhávamos displicentemente ouvimos um morador convidando outro a ir no centro cultural porque “uns americanos” estariam fazendo um som lá.
Seguimos nosso caminho e não é que damos de frente com o tal centro cultural? Entramos, é claro!
Excelente o Centro Cultural Afrânio Peixoto, com cadeiras confortáveis, ar condicionado e boa acústica. Lá estava acontecendo uma apresentação de jazz e blues da melhor categoria, um verdadeiro presente de viagem. Gravei um pedacinho do show.
Só desgrudamos das cadeiras quando a fome apertou. Embora as mesas estivessem até convidativas no centro de Lençóis – o burburinho fica exatamente na Rua das Pedras. Esta foto foi no início da noite, às 8horas já estava lotada!
Jantamos no Azul, o conceituado restaurante do Hotel Canto das Águas, onde estávamos hospedados. Pedimos uma bruscheta de entrada, bem gostosinha, e um Malbec da Catena Zapata.
Eu fui de ravióli de buchada (não podia escapar do roteiro temático)
E o marido de fetuccini com salmão defumado.
Os dois pratos estavam bons, mas nada de especial. Pedi de sobremesa um sagu de tapioca com banana da terra, que estava bom, mas não gostei muito da textura (parecia maria-mole).
Achei que o restaurante ficou a dever em relação ao hotel e ao café da manhã. O ponto positivo é a enorme adega (para uma cidade de interior principalmente).
Terminei o dia extremamente satisfeita com a Chapada Diamantina e a sensação de que ter pouco tempo é sempre melhor do que tempo algum.
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