Uma das certezas que alimentava ao comprar as passagens para Israel era a de que iria conhecer a Palestina. Ultrapassamos as fronteiras físicas, ideologicas e emocionais para tentar desvelar Belém na Palestina, durante a viagem a Israel.
Nem sempre uma viagem é apenas sinônimo de prazer e descanso. Às vezes se faz necessário vestir a pele do outro, sentir a vida do outro, mesmo que seja uma vida dolorida. Por esse motivo, recomendo a visita a Belém na Palestina e se puder, que fique mais de um dia.
Uma resumida história da Palestina para contextualizar nossa visita a Belém
A Palestina é um Estado encravado no meio na região conhecida como Cisjordânia, atualmente no centro do território de Israel. Em 2012, 138 países o reconheceram como Estado Observador na Organização das Nações Unidas, com votos contrários de Israel e mais 08 países.
A palestina antes da 2ª Guerra
A princípio, a origem palestina remonta a séculos antes de Cristo, tendo sido invadida pelos Romanos, tribos árabes, pelos cruzados durante a Idade Média. A partir do século XVI, pelo Império Otomano, que lá ficou até a 1ª Guerra Mundial.
Nesse ínterim, com a derrota dos Otomanos na primeira grande guerra, a Palestina ficou sob administração britânica com mandato conferido pela sociedade das Nações.
Em seguida, uma grande migração judaica passou a ocorrer na região, em virtude do crescimento dos grupos antissemitas na Europa e em alguns países do oriente médio.
A Palestina após a 2ª Guerra
Em 1947, a ONU, que havia substituído a Sociedade das Nações, determinou a divisão da Palestina em três estados: um estado árabe, um estado judeu e um estado sob administração da Organização das Nações Unidas (a cidade de Jerusalém).
Os estados árabes vizinhos e a população local não aceitaram tal divisão, iniciando a primeira das 11 guerras, que seguem até os dias atuais.
Quase todas todas vencidas por Israel, com alguns cessar fogo, o território de Israel passou de 14.995 km² para 22.072 km² avançando no território, que estava delimitado como palestino no plano da ONU, para a partilha da Palestina de 1947.
Atualmente, o estado palestino encontra-se em um território pequeno e somente exerce o controle da Cisjordânia, através da Autoridade Nacional Palestina. Do lado oeste está o mar de Israel, do leste o Mar Morto e a Jordânia. E no centro, com seus acessos controlados por Israel, está Belém na Palestina.
Por que então conhecer Belém na Palestina? O que há de urgente, o que ferve, o que nos faz pensar? Ao voltar, no ônibus israelense número 23, com apenas 3 ou 4 passageiros além de minha família, escrevi:
Homens sagrados nasceram nessa terra. Profetas, salvadores, caminharam por essas ruas, muitas vezes tropeçando em seus próprios pés quando crianças.
Mas nem toda santidade das catedrais, grutas e tumbas, nem a sacralidade de ser adorado por duas das maiores e mais antigas religiões da humanidade, foram capazes de deter o horroroso muro que dividiu a cidade ao meio.
E essa realidade, esse muro, é o principal motivo para se conhecer Belém na Palestina.
Um dia em Belém na Palestina: O muro
Em 2001, o muro começou a ser construído, sob a justificativa de proteção do Estado de Israel em relação aos atentados terroristas suicidas palestinos. Inicialmente, o muro já tinha previsão de possuir 763 km, chegando muito próximo do objetivo inicial nos dias atuais.
Juntamente com a construção e seu efeito segregador, houve a separação agricultores de suas terras. O muro dividiu famílias, isolou aldeias e teve um efeito devastador para a comunidade palestina.
O taxista que nos atendeu afirmou que o turismo caiu de forma drástica e que a pobreza se instalou em Belém na Palestina após a construção do muro.
Percebemos a verdade da informação pela diferença no número de turistas em Jerusalém e em Belém, pelo ônibus vazio na ida e na volta, mesmo sendo tão barato.
Uma turista brasileira que conhecemos durante a viagem disse que queria muito ter ido a Belém, mas que foi informada no hotel que era perigoso e extremamente difícil. Nem uma coisa, nem outra.
Talvez esse terror divulgado, esse medo infundido, seja uma forma de evitar que as pessoas conheçam o muro, vistam a pele de quem mora em Belém e voltem para contar.
Ou talvez, pelos muitos assentamentos israelenses que vimos protegidos pelo muro. Eles indicam que o objetivo do muro não é apenas a proteção, mas ocupação.
Simultaneamente à construção do muro, a comunidade internacional começou a se manifestar.
O Tribunal Internacional de Justiça de Haia considerou o muro ilegal em 2004. O Papa Bento XVI visitou a região em 2006 e apoiou a derrubada do muro. A ONU reiterou, em uma resolução, que Israel mantivesse o controle apenas em suas áreas legais. O muro permanece lá, infalível.
A arte versus o muro, Bansky
Apesar disso, Israel permaneceu incólume aos pedidos internacionais e mesmo de algumas ONGS israelenses, como a Rabinos pelos direitos Humanos.
Prosseguiu com a construção das barreiras físicas, o que levou Bansky, o grafiteiro anônimo britânico, a tomar uma artística, estética e efetiva.
No livro Bansky por trás das paredes, Will Ellsworth conta um pouco sobre o início dessa história:
No [jornal] New Statesman, o artista Peter Kennard posteriormente recordou: “O telefone toca, número retido. É Bansky. Ele quer saber se eu posso ir a Belém no Natal.
Está montando uma exposição, reunindo artistas de pensamento alinhado em todo o mundo para aumentar a conscientização sobre a situação na Palestina. Duas semanas depois, me descubro envolvido em uma experiência que transformou minhas ideias sobre o que os artistas podem fazer em face da opressão.”
Bansky fez uma chamada semelhante a quase vinte artistas diferentes em todo mundo. Ele e sua equipe chegaram lá primeiro, tanto para organizar as coisas quanto para encontrar bons locais nas paredes para os trabalhos dele. Trabalhando com um prazo muito apertado, alugaram um restaurante em desuso na Manger Square [Praça da Manjedora], transformando-o praticamente da noite para o dia numa galeria de arte. Seguiram-se duas levas dos grandes e dos bons no mundo da arte de rua, que chamariam atenção mundial para o muro e doariam todas as suas produções por lá para as vendas no Santa’s Ghetto.
Will Ellsworth – Jones, Bansky por trás das paredes
Polêmicas e frutos – hotel do muro
Mas mesmo com as intenções altruístas dos artistas, ainda assim não foi possível evitar polêmicas, como relatou Will Ellsorth
Entre os próprios trabalhos de Bansky, uma pomba usando colete à prova de batas foi talvez a imagem mais impressionante; no entanto, o meu favorito, um burro tendo seus documentos de identidade verificados por um soldado israelense, causou problemas inesperados, uma vez que o burro foi visto por alguns moradores como um retrato bastante desfavorável dos palestinos.
O colega artista Tristan Manco escreveu com delicadeza:
“Dados os problemas locais e a alta sensibilidade, talvez a ironia não seja abraçada da mesma forma em Belém, conforme poderia ser em Londres” Mas quaisquer que fossem as sensibilidades na galeria, que durou apenas um mês, ela arrecadou mais de um milhão de dólares.
Esse dinheiro foi usado para proporcionar trinta vagas em universidades, a estudantes que de outra forma nunca teriam chance de sequer passar por perto de uma delas, bem como para outras boas causas na área.
Will Ellsworth – Jones, Bansky por trás das paredes
Apesar do impacto dessa primeira atitude de Bansky, ele não parou por ai.
Em 2017, Bansky inaugurou o Walled Off Hotel, em tradução livre o “hotel murado”, claramente uma ironia com a luxuosa rede Waldorf.
Mas, ao contrário das agradáveis alamedas parisienses ou da 5ª Avenida de NY, temos um hotel instalado bem em frente ao muro em Belém.
Chamado pelo próprio artista do” hotel com a pior vista do mundo”, é praticamente uma galeria de arte em todos os seus espaços.
Há obras de Bansky e outros artistas, relacionadas à questão envolvendo Israel e Palestina. Muitos artistas palestinos, que não têm autorização ou dinheiro para expor fora do seu país, expõe no museu permanente do Walled.
O hotel também abriga uma loja, convenientemente chamada de Wall-Mart.
Bansky e o dedo na própria ferida
Segundo Bansky, o objetivo era criar um “um clube inglês de cavalheiros dos tempos coloniais”. O interior do hotel parece muito luxuoso, até meio barroco, com muito veludo e capitonê, mas basta aproximar-se para ver a narrativa do artista na decoração.
Anjos com máscara de oxigênio, câmeras de vigilância destruídas e muitos estilingues, símbolo da resistência palestina.
Para Bansky, a ocupação inglesa em 1907 foi uma das causas do conflito hoje instaurado. Logo, a inauguração do hotel teve o objetivo de marcar a data, além de levar fonte de renda turística a Belém, que caiu muito após o muro ser construído.
Precisamos lembrar que Bansky é inglês.
O nosso motorista palestino, informa que o turismo hoje se concentra a algumas excursões, que passam pelas atrações e vão embora. Muitos hotéis fecharam e turistas eventuais normalmente não passam de um bate e volta.
O turista que fica e consome no local é muito escasso, por conta das barreiras de controle, que não permitem a entrada de carros alugados. Mesmo Jerusalém estando a pouco mais de 70 km.
As dificuldades impostas e o medo desanimam quem gostaria de conhecer Belém.
À primeira vista vimos alguns turistas hospedados, lendo no lobby ou na varanda em frente ao muro. Se pudesse refazer a viagem, certamente tentaria me hospedar lá para ver a iluminação noturna e o piano bar.
Bansky esclarece que o hotel não é antissemita. Ao contrário, o hotel não permite qualquer tipo de fanatismo.
Caminhamos ao longo de todo o muro e das artes feitas por Bansky e tantos outros.
Sempre atualizado, o muro traz demandas de todo o mundo, como se cada injustiça pudesse ser retratada, demandada, sentida nas paredes de concreto.
Só a arte e o amor salvam
Ao terminar nosso único dia em Belém na Palestina, tive a constatação de que Amós Oz estava correto: só a arte e o amor salvam.
A característica que define a boa literatura, ou arte, é a capacidade de fazer se abrir um terceiro olho em nossa testa. Que nos faça ver coisas antigas e batidas de um modo totalmente novo. “Mesmo uma visão antiga tem um instante de nascimento” como expressou o grande poeta israelense Nathan Alterman. A grande literatura tem se posto nos lugares e nas peles dos outros, estranhos, às vezes odiosos, seres humanos, dom Quixotes, Iagos, Raskolnikovs deste mundo.
Amós Oz, Como curar um fanático
Por outro lado, ao nos colocar na pele dos outros, através da arte, da literatura e das viagens, podemos ter compaixão e compreender profundamente suas verdades.
E, assim, desejar e lutar pela paz.
Dessa forma e também por esse motivo devemos visitar Belém na Palestina. Fomentar o turismo local de um lugar tão bonito e de raízes históricas profundas. E quem sabe deixar uma sementinha de um futuro menos dolorido para os moradores de Belém na Palestina.
Também quer conhecer Belém na Palestina ou está de viagem por Israel. Temos outros posts aqui.
2 Comentários
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20 de outubro de 2019 em 11:12[…] como em Veneza ou em Belém encontrar cidades reais em ambientes fantasiosos, talvez nos provoque um espanto […]
Um dia em Belém na Palestina - Viagens Invisíveis
24 de dezembro de 2019 em 20:50[…] de mais nada, passamos apenas um dia em Belém, Palestina. Contamos aqui que senti falta de mais tempo na cidade, mas para uma primeira visita foi o tempo de […]